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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Cristo foi pregado pelos pulsos?

Pedro Valeriano


Proêmio


1. Ao que tudo indica, não o foi. Há, no entanto, mormente entre os católicos tradicionais, quem argumente em sentido contrário. Fazem-no fundados na conhecida obra do Dr. Pierre Barbet (1883 – 1961), La passion de N.-S. Jésus-Christ selon le chirurgien (1950). É de espantar um pouco o fato de os católicos tradicionais aceitarem, sem mais, uma hipótese tão recentemente formulada, e que contraria uma tradição de dois mil anos. Não causa nenhum estranhamento ver nas igrejas imagens que O retratam pregado assim, pelos pulsos, quando sempre os cristãos O viram pregado à Cruz pelas mãos?

domingo, 30 de julho de 2023

No fragor da batalha

Pedro Valeriano



Muito se fala nos meios católicos tradicionais acerca da “secularização” da sociedade; mas isto se faz normalmente por um ângulo que tem deficiências: é o ângulo das chamadas “três revoluções da modernidade” (protestantismo, liberalismo, comunismo). Ainda que esta perspectiva tenha suas vantagens, o fato é que ela, por ser esquemática, não parece dar conta da complexidade da situação em que vivemos; observando a realidade apenas por esta perspectiva, somos levados a encaixar esta mesma realidade em um esquema. Disto resulta a confusão que os católicos fazem — influenciados quase sempre pelos liberal-conservadores — entre o comunismo e a atual revolução que nos esmaga, que é bem outra coisa que o comunismo. “Ora, se a terceira e última revolução prevista no esquema é o comunismo, segue-se que o que vivemos hoje é um comunismo.” Trata-se de um erro perigoso: quem duvidaria ser mau negócio combater um inimigo que se desconhece? Pois bem, é Carlos Nougué quem normalmente aborda o assunto por um ângulo muito mais interessante e mais rico: o ângulo da apostasia das nações, e fundando-me em uma ótima palestra sua sobre o assunto decidi escrever o opúsculo que Nougué quis publicar em seu novo livro intitulado No fragor da batalha: A disputa nossa de cada dia.

sexta-feira, 30 de junho de 2023

O espectro do tradicionalismo oitocentista

(Texto revisado em 30 de outubro de 2023)

Pedro Valeriano


A pureza das intenções, a generosidade do coração, o ardor da eloquência, não substituirão jamais uma sólida doutrina.

Pe. Augustin Roussel


Os franceses são muito pouco argutos, e não conseguem ver erros comuflados. Se um satanista se apresenta a eles dizendo-se tradicionalista, aceitam-no. Sem perguntar qual seria seu tradicionalismo: o satanista.

Orlando Fedeli


A mudança que se operou em mim é totalmente diferente de como vós a imaginais. Minhas ideias, sempre as mesmas no fundo, se retificaram, se estenderam, se desenvolveram, só isso.

Lamennais




Sumário


Proêmio
Artigo I. Sobre o tradicionalismo do século XIX
  §I. Considerações sobre a França
  §II. Joseph de Maistre e as origens teosóficas do tradicionalismo
  §III. Louis de Bonald, da palavra à Política
  §IV. A coerência do tradicionalismo de Lamennais
  §V. Donoso Cortés, tradicionalista ou não?
  §VI. Alguns outros tradicionalistas
  §VII. O mistério da Revelação primitiva
  §VIII. A Igreja condenou o tradicionalismo revelacionista?
  §IX. a) Tradicionalismo e neotomismo
    b) Tradicionalismo e neotomismo no Brasil
  §X. Um quasi excursus sobre Charles Maurras
Artigo II. Considerações finais: a herança doutrinal do tradicionalismo nos séculos XX e XXI
  Parágrafo único




Proêmio [↵]


1. Nestes tempos de tintas apocalípticas — assim o Prof. Nougué costuma chamá-los —, é profunda a confusio linguarum que nos desorienta a nós católicos; mas é particularmente atordoante o caso das discussões em torno do que se costuma entender por “tradicionalismo”, como pretendo mostrar neste opúsculo.

Normalmente, não se deve perder muito tempo com o nome das coisas: de nominibus non est disputandum; contudo, a questão é de uma excepcionalidade tal, que me parece urgir uma investigação cuidadosa acerca do tradicionalismo — ou melhor, dos tradicionalismos. Se não, vejamos.

A palavra “tradicionalismo” pode ser entendida de diversos modos. Alguns dão-lhe o sentido de um simples apego às coisas tradicionais; outros querem com ela designar uma seita gnóstica; outros dela se servem para nomear o Catolicismo fiel à tradição litúrgica e doutrinal da Igreja; e há outros, ainda, que usam “tradicionalismo” no sentido de uma certa escola filosófica do século XIX (XVIII e XIX, mais precisamente), etc., etc., ad nauseam: simplificadamente, ou más doutrinas, ou doutrinas com mau nome.

Até aqui, nada de novo debaixo do sol; mas eis que as coisas começam a agravar-se: hoje, quase todos os sentidos de “tradicionalismo” se confundem de algum modo, e então têm-se católicos fideístas, católicos gnósticos, católicos milenaristas, e católicos católicos, todos frequentemente confundidos uns com os outros, não só pelos adversários da Religião mas também por si mesmos: o tradicionalista (católico tradicional) se vale frequentemente de autores tradicionalistas (do século XIX) que também inspiram de algum modo os tradicionalistas (perenialistas); o tradicionalismo (perenialista), por sua vez, há algumas décadas, e com sucesso, tem se infiltrado nos meios tradicionalistas (católicos), induzindo muitos tradicionalistas (católicos) ao erro. Como se vê, o nome “tradicionalismo” para designar o Catolicismo fiel à tradição litúrgica e doutrinal da Igreja, doravante “Catolicismo tradicional”, encerra não poucos problemas.